Cumpre-se hoje mais um aniversário do Jornal do Cuto, lançado em 7 de Julho de 1971 pela Portugal Press, editora fundada por Roussado Pinto (1926-1985), cuja actividade profissional na área da Banda desenhada já vinha de longe, desde títulos como O Pluto, Titã, Flecha e Valente, criados nos anos 40 e 50.
A essas efémeras tentativas de fazer concorrência a outras revistas juvenis solidamente implantadas no nosso meio editorial, como O Mosquito, o Diabrete, o Cavaleiro Andante e o Mundo de Aventuras, seguiu-se, duas décadas depois, a sua primeira empresa apoiada em bases financeiras mais firmes e o primeiro dos seus títulos que iria alcançar um satisfatório êxito comercial, aliado a uma longevidade que só foi abruptamente interrompida por motivos de saúde do seu director.
Roussado Pinto não interrompeu aí a sua carreira, continuando a dirigir os destinos da Portugal Press durante um novo período, que ficou assinalado por um dos maiores êxitos da imprensa portuguesa dessa época: o Jornal do Incrível.
Mas a sua grande paixão, como ele próprio tantas vezes confessou, era a Banda Desenhada, à qual deu o melhor de si próprio como propagandista e pioneiro de uma nova forma de arte popular que conhecia como poucos. Aliás, apesar de todas as contingências e adversidades do destino, nunca quis interromper a sua luta, sonhando ainda, pouco tempo antes de sofrer outro enfarte, em Março de 1985, reunir condições para ressuscitar o Jornal do Cuto. Infelizmente, já era tarde…
Nos primeiros números desta excelente revista, que durou até ao nº 174, publicado em 1/2/1978, destaca-se o equilíbrio entre autores clássicos oriundos d’O Mosquito — como Eduardo Teixeira Coelho (A Morte do Lidador, A Lei da Selva), Raul Correia (Cantinho de um Velho, O Navio Negro), Percy Cocking (Serafim e Malacueco) e Jesús Blasco, criador do mítico herói que Roussado Pinto escolheu para nome do seu novo jornal — e outros, sendo de referir entre estes a presença de Bud Sagendorf (Popeye), Mac Raboy (Flash Gordon), Alberto Salinas (Moira, a Escrava de Roma) e Russ Manning (Tarzan), além de José Batista e Carlos Alberto (este último ilustrador, com o pseudónimo de M. Gustavo, da rubrica Quadros da História de Portugal, publicada em separata).
Outros vieram depois, também coroados por justa fama — como Alex Raymond, Mel Graff, Roy Crane, Hal Foster, Lee Falk, Phil Davis, José Luís Salinas, Walter Booth, Reg Perrott, Roy Wilson, Franco Caprioli, Emilio Freixas, Frank Bellamy, Sergio Toppi, Vítor Péon, Orlando Marques — e as homenagens ao Mosquito continuaram a ser uma das tónicas dominantes do projecto mais acalentado por Roussado Pinto, que se desdobrava em múltiplas tarefas, escrevendo, coordenando, traduzindo e até maquetizando a revista.
Lembro-me de só ter visto o Jornal do Cuto, pela primeira vez, seis meses depois do seu lançamento, porque nessa altura vivia em Angola, aonde as revistas de BD (e outras) só chegavam por via marítima. Não porque as viagens através do Atlântico demorassem tanto tempo, como é lógico, mas porque era assim que funcionavam os circuitos comerciais e as leis da distribuição entre Angola e a metrópole. Por incrível que pareça!…
Seja como for, ainda recordo com nitidez esse primeiro encontro e a extraordinária emoção que senti ao ver numa loja do Lobito, cidade do sul de Angola onde estava de passagem, uma revista cuja capa me despertou imediatamente as memórias de Cuto, o maior herói d’O Mosquito, um dos gloriosos ídolos da minha geração.
A partir desse dia, não fui capaz de esperar tanto tempo para ler o Jornal do Cuto e tornei-me assinante da revista por via aérea, tal como já era do Tintin e do Diário de Notícias (que publicava aos sábados um interessante suplemento intitulado Nau Catrineta, onde podíamos matar as saudades do Zorro e do Cavaleiro Andante).
Quanto ao Mundo de Aventuras, confesso que nessa época não estava no topo das minhas preferências (por causa do seu aspecto modesto, num formato muito reduzido), embora continuasse a acompa- nhar as aventuras de heróis como Mandrake, Rip Kirby, Garra de Aço, Matt Dillon, Matt Marriott e outros, sem imaginar, nem em sonhos, que viria a tornar-me seu colaborador (e depois coordenador), por ironia do destino, quando regressei à metrópole, poucos meses antes do 25 de Abril de 1974. E foi então que tive o privilégio de conhecer pessoalmente Roussado Pinto, com quem já trocava correspondência desde os primeiros números do Jornal do Cuto.
À sua afabilidade e simpatia, à sua generosa amizade, ao seu caloroso e contagiante entusiasmo, ao seu epicurista gosto pela vida, que nada parecia afectar — nem mesmo os avisos dos médicos, que o admoestavam por trabalhar e comer demais —, à sua sabedoria sempre pronta a dar uma ajuda aos mais novos e inexperientes, devo muitos momentos de inesquecível convívio e camaradagem, e alguns dos mais preciosos conselhos que obtive na minha actividade profissional ligada à BD.
Por isso, ao recordar esta efeméride do Jornal do Cuto, quero também prestar, mais uma vez, homenagem ao seu criador, um ícone da Banda Desenhada portuguesa (e não só), cuja vasta obra permanece viva na memória nostálgica de várias gerações, com quem partilhou muitos êxitos e desaires, assim como muitos episódios de trinta anos de laboriosa carreira, ao serviço de uma causa que nunca renegou.
Nem mesmo quando o seu maior projecto (e triunfo) jornalístico, o Jornal do Incrível, que o absorveu por completo, durante os últimos anos de vida, se interpôs entre o amor pela BD e a dedicação a uma editora que estivera à beira da falência… mas que ele deixou, ao partir de súbito para outra grande aventura, com um saldo largamente positivo.
Obrigado por tudo, Roussado Pinto!