Com a devida autorização do seu autor, divulgamos um texto (que não era público) de Mestre José Ruy, em resposta a uma crítica publicada no blogue Kuentro 2, por Jorge Machado-Dias, sobre as exposições comemorativas dos 80 anos d’O Mosquito inauguradas no passado dia 16 de Janeiro e que continuam patentes na nova sede do Clube Português de Banda Desenhada (CPBD), na Amadora (antigo CNBDI).
Reproduzimos o referido texto pelo inegável interesse que nos desperta o tema, sem deixar de reconhecer o direito à crítica, mas também o direito de resposta. Sabemos que dentro em breve o Kuentro 2 voltará a abordar esta questão, dando o devido destaque à carta de José Ruy, já do seu conhecimento, e respondendo-lhe em conformidade.
Uma troca de opiniões é sempre saudável, mesmo quando os argumentos se confrontam… Por isso, a quem interessar, sugerimos que leia também o post publicado no Kuentro 2, ao qual terá acesso directamente por este link:
http://kuentro.blogspot.pt/2016/02/exposicao-comemorativa-do-80.html
EM DEFESA DO CPBD – por JOSÉ RUY
Meu caro amigo Machado-Dias
Abraço. Eu entendo a amizade como um sentimento que vai para além dos «com-licenças» e de estarmos sempre de acordo com tudo, «ratando» por vezes nas costas, para evitar confrontar o amigo para que ele não se ofenda. É dever dos Amigos verdadeiros chamar a atenção do que achamos estar mal, mas olhos nos olhos, sem ser preciso usar o megafone para que todo o mundo oiça; o «Kuentro» ouve-se em todo o mundo, tenho prova disso.
E depois deste preâmbulo vamos ao assunto: a sua última crítica ao Clube Português de Banda Desenhada (CPBD) e ao modo como apresenta as suas exposições na nova sede na Amadora. Começa o meu amigo por chamar a atenção para umas réguas tortas por sobre a fachada, que se encontram assim há anos, responsabilidade do condomínio (a CMA só é proprietária da instalação térrea) e da relva a nascer entre as pedras da calçada. Faltou destacar o mau aspeto de algum papel que ande pelo chão, levado pelo vento de algum caixote do lixo mal tapado. Já agora, talvez o pó acumulado sobre os automóveis estacionados em frente da porta dê má aparência e os voluntários do CPBD tenham de lhe puxar o lustro para não serem criticados.
Depois dá a sua opinião de que é degradante mostrar reproduções e que só deveriam ser expostos originais mesmo, se o CPBD quer aliciar os «jovens» a irem ver as suas exposições. Fiz uma exposição dos meus originais do livro «Aristides de Sousa Mendes» no Consulado Geral de Portugal em Paris, em 2014, montados em cartolinas pretas e protegidos com acetato, onde foi inaugurada com a presença de um dos netos do Cônsul que vive em França e do corpo diplomático do Consulado. Depois de duas semanas passou para outros organismos em França e não houve um único queixume pelo facto de não ter molduras «dignas» com vidro verdadeiro.
Eu e um membro da direção do «Círculo Artístico e Cultural Artur Bual», promotor do evento, levámos esse material no avião connosco, sem o perigo de estilhaçar os vidros, mesmo se fossem em acrílico, dentro do peso estipulado para a bagagem e sem mais essas despesas. E a exposição foi visitada por muitos jovens, e até numa das itinerâncias esteve num colégio. O meu amigo divulgou com imagens este evento. A Bedeteca da Amadora tem exposto originais meus e de outros autores montados da mesma maneira, e não tem havido reclamações, pelo facto de estarem «indignamente» apresentados. Os visitantes de todas as idades não deixaram de ir por não terem molduras.
No dia 17 de Fevereiro de 2016 inaugurou-se uma exposição sobre a edição, agora em livro, da história de E.T. Coelho «Os Doze de Inglaterra», na Bedeteca da Amadora, e foram expostos originais deste artista, muito pouco conhecidos, o que foi previamente anunciado. Como poderá ver pelas fotos que oportunamente lhe enviarei, não estiveram presentes jovens. Porque talvez não se interessem por este tipo de trabalho, e isso levar-nos-à para outro debate.
Portanto, não é pelo facto de se mostrarem originais verdadeiros que alicia os iniciados (nesta arte) a interromperem os seus jogos nas tabletes para se deslocarem às exposições que não tenham trabalhos seus. O facto do fotógrafo ocasional ter tirado fotos ao material exposto (reproduções) sem o cuidado de escolher o ângulo para não receber reflexos, não é culpa dos expositores. As boas reproduções expostas, foi a maneira possível de mostrar esse material sem o CPBD ter de pagar um seguro proibitivo e montar um sistema de alta segurança durante o período de exposição, exigido (e muito bem) por quem detém esse precioso material.
O CPBD está a renascer de um longo letargo e não tem ainda posses para essas fantasias. Será que para começar temos de primeiro fazer um investimento principesco para que a crítica fique satisfeita? Lembro-me de um rapaz, até familiar, que mostrava alguma habilidade e gostava de ser pintor e desenhador. Compraram-lhe um belo estirador de sala, caixas com tintas aguarela e a óleo, papéis «qb», pincéis e todo o material de qualidade. Esqueceram-se de lhe comprar outra coisa indispensável: o talento. Todo esse equipamento de nada lhe serviu.
O E.T. Coelho começou a trabalhar numa prancheta sobre os joelhos, no quarto que partilhava com o seu irmão. Os jovens de que fala, se forem à sede do CPBD, podem aprender como com materiais baratos e simples se pode começar a apresentar os trabalhos. Mas só se quiserem, pois ninguém pode obrigar seja quem for a participar nestes eventos. Além disso, o que é exposto é para ser visto ao vivo, e o facto de serem reproduções, boas reproduções de provas originais, torna-se secundário. E o que está exposto foi fruto de muitas horas de trabalho exemplar, voluntário e gracioso, de membros da direção do CPBD.
Temos, todos nós, a responsabilidade de dar a conhecer aos jovens que para conseguirmos crescer precisamos de construir, sem esperar que tudo ou quase tudo apareça feito e pronto a usar. Para o público que não pode ir à Amadora, as fotografias de conjunto podem mostrar todos os reflexos (como em tantas exposições de gabarito), mas para verem em pormenor basta que os órgãos de informação e divulgação peçam os ficheiros digitalizados para serem reproduzidos nos seus blogues ou edições em papel em boas condições. Esse público que se remedeia em ver as imagens no monitor, tanto lhes faz serem originais ou não, o que precisa é de ver essas imagens com qualidade.
Esta é a minha opinião, pois sempre me atirei para a frente para fazer coisas com apenas as condições possíveis no momento, ultrapassando os escolhos, e só ao longo de décadas fui melhorando essas condições de trabalho. Se estivesse à espera do ótimo para começar, ainda não tinha feito nada. Além disso, o único responsável pelo processo que o CPBD adotou para realizar as suas exposições na nova sede, sou eu. Fui eu quem propus esse material, pois tenho experiência de o usar, sem grandes despesas e problemas de conservação e deslocação.
«Quem não tem cão caça com gato». O que interessa é caçar.
Não dei esta resposta no próprio Kuentro, por ser longa e para lhe dar a oportunidade de recusar publicá-la. Numa altura em que a coesão é primordial, qualquer polémica pode dar a impressão, a quem passa ao largo, de que estamos desunidos e em guerras de «alecrim e manjerona». Por isso, aqui vai desta forma. No entanto, vou dar conhecimento à família CPBD.
O mesmo abraço de admiração e a mesma amizade.
JOSÉ RUY