REPORTAGEM INESPERADA – 2
Publicamos hoje mais duas páginas desta história, dada à estampa, quando O Papagaio estava transformado numa secção infantil do semanário Flama, entre o nº 80 (16 de Setembro de 1949) e o nº 85 (21 de Outubro de 1949) da citada revista. E a seguir poderão ler outro trecho da viva e colorida descrição feita por José Ruy do seu passeio ao Ribatejo, com o propósito de se documentar para esse trabalho – que, com a amável autorização do grande Artista, aqui se reedita pela primeira vez .
UM PASSEIO NA LEZÍRIA – 2
Por José Ruy
«Em dada altura, o condutor deixou-me e disse que a uns três quilómetros ficava uma povoação que eu podia alcançar com facilidade, para depois apanhar algum transporte de volta. Agradeci e lembrei-me de lhe entregar um cartão meu, oferecendo os meus préstimos, etc. Aquele gesto de levar a mão à carteira, tomou-o ele, o simpático condutor, como se lhe fosse pagar o serviço e disse logo que nem pensasse, não senhor… Quando viu o cartão ficou mais tranquilo e curioso, pois já nessa altura eu tinha desenhado umas letras com carácter pessoal para o papel de carta e os cartões chamados de visita. Ficou a mirá-lo e creio que pensou tratar-se de uma firma, com aquele aspecto… só podia ser.
Efectivamente, depois da partida do meu oportuno transportador, avistei ao longe o tal gado de que precisava. Mas estava demasiado afastado e eu não levara binóculos. Fui contornando a cerca até uma altura em que os touros se encontravam agrupados mais perto. Então, lembrei-me do estratagema que costumava usar com as feras no Zoo: chamar-lhes a atenção, com gestos e brados. Resultou, pois um exemplar afastou-se da manada, caminhando vagarosamente na minha direcção, naturalmente com a vedação de permeio. Comecei, então, a fazer croquis que me permitiram, depois, realizar a história.
Com isto tudo eram quase duas horas e meia da tarde, mais ou menos; lembro-me que, de repente, senti uma fome dos diabos e estaria a três quilómetros dos tais recursos mais próximos. Meti pés ao caminho e quando cheguei à terrinha, cujo nome não consigo precisar, pois era uma aldeola, procurei uma tasquinha que nem servia refeições e perguntei se podiam arranjar qualquer coisa para comer.
Fizeram presunto com ovos mexidos, que acompanhei com broa de centeio. Soube-me que foi um regalo. Disseram-me que havia uma camioneta, que passava pelas cinco da tarde, até Salvaterra de Magos. Dali apanhei outro transporte, também de carreira, até uma estação de comboio e finalmente cheguei a Lisboa, poeirento mas com a missão cumprida».
Só este “gatoalfarrabista” me podia facultar entrada fácil no mundo secreto das aventuras bem guardadas…e resguardadas para amigos especiais! Abraço
Muito obrigado pelo comentário, Maria Fernanda… Ninguém melhor do que você conhece a obra de José Ruy, mas estou certo de que para muitos leitores e admiradores do Mestre estas histórias do princípio da sua carreira serão uma absoluta novidade e até, não tenho a menor dúvida, uma agradável surpresa, pois já nessa altura as qualidades e os progressos artísticos de José Ruy estavam bem à vista – na descrição dos ambientes, na anatomia dos cavalos, nos contrastes de claro-escuro, por exemplo –, antecipando verdadeiras obras-primas como as Lendas Japonesas.
Um grande abraço para ambos,
Jorge Magalhães